Um Dia de Cada Vez
- James Almeida
- 9 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de mar. de 2019
A gente acorda diferente a cada manhã, e isso é bem extravagante. Às vezes, com vinte anos no corpo, mas oito ou dez na mente. Acorda querendo tomar um belo copo de Nescau, daqueles bem quentinhos, que fazem a manhã de inverno do mês de julho começar melhor. Tem dias que queremos brincar com o Duque, aquele cachorro encardido que chega abanando o rabo pra gente toda hora que o chamamos, ou então com a Pérola, a gata malhada que, apesar de dar sumiço de madrugada, aparece miando sempre que nos sentimos só. Há momentos que a vontade de ficar deitado na cama, ouvindo Raça Negra, Tim Maia, ou Madonna, Lady Gaga e Queen é maior que tudo, mesmo sabendo do combinado daquele cinema que o João, o Guilherme, a Raquel e a Vitória (que, antes, se chamava Thiago) marcaram conosco há semanas (e que dois não vão porque vão ficar em casa se pegando, já que os pais estão viajando)... Tem horas que o que queremos é apenas descansar a bunda no sofá ou até no chão gelado da sala de estar, enquanto fazemos aquela maratona de séries no Netflix ou brigamos com os participantes do programa do Silvio Santos porque eles não sabem que existe a vogal “U”. Existe até tempo em que um banho de mangueira na grama do quintal às quatro da tarde é mais “massa” que qualquer coisa do mundo (tem gente que sente calor até no inverno). De vez em quando dá aquela vontade de lavar louça, pelo simples prazer de ficar pensando na vida enquanto a água corrente passa entre os dedos cheios de detergente e cai naquele copo marcado de batom da sua mãe, desde a última vez que ela veio te ver na casa nova (e passou o dedo lambido nos seus olhos, dizendo que “tem remela”).
Mas, também tem momentos que a gente desperta parecendo muito mais velho, muito mais maduro, se sentindo vivido e exausto do dia-a-dia. Na certidão marca “1996”, mas em todo o resto parece que saímos da década da Segunda Guerra. Aquele café preto frio na garrafa térmica, de duas semanas atrás parece uma boa pedida para começar as primeiras horas da manhã. A vontade é de lavar o velho Chevette tubarão azul-calcinha do vô Leopoldo que está apodrecendo no fundo do quintal e pô-lo a ter algumas aventuras na praia ou na serra fria do interior com aquele “dru-dru-dru-dru” do motorzinho a álcool (cheirosinho, por sinal) deste Chevrolet veterano de, já, quarenta anos. Ou talvez “desenterrar” aquele Fusca amarelo-ovo do sítio da Tia Rute, cujo está “encostado” porque foi substituído por um carro “melhor” não seja uma boa ideia? É... Certeza que o “tec-tec-tec-tec” do Volkswagen cinquentão seria o melhor som que se poderia ouvir numa viagem sem rumo, acompanhado do Rodrigo, da Taís e do seu namorado Léo (afinal, eles nunca saem separados, parecem chiclete daquele bem barato, que não desgruda nunca) e de uma boa fita cassete velha que tava jogada no porta-luvas. Sim... às vezes, a gente só quer abraçar quem a gente gosta naquele morro no fim da rua e ficar jogando conversa fora sobre a aula de matemática. Ou, quem sabe, fazer uma loucura e ir naquele barzinho que todo mundo disse que ia, mas nunca ia de verdade, e encher a cara de bebida barata (sem dinheiro pra pagar, claro). Tem dias que a gente só quer ficar sentado na porta de casa, com os pés no chão sujo que o pai mandou varrer no domingo (e ainda não foi varrido), botar a camisa por cima dos joelhos, olhar pra árvore de pitanga balançando atrás da casa do vizinho da frente e ficar pensando em qualquer coisa. Ou em nada.
Tem dias que a gente acorda sendo a gente mesmo. E tem dias que a gente só acorda.
Originalmente de 08/JAN/17.
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