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Adolescente Para Sempre

  • Foto do escritor: James Almeida
    James Almeida
  • 9 de ago. de 2018
  • 4 min de leitura

Atualizado: 26 de mar. de 2019


Eu tô saindo agora da minha adolescência. Já vão fazer mais de duas décadas que eu nasci e está chegando a hora de assumir minha própria existência para o mundo. Mas eu acredito que essa é a melhor época da nossa vida. A adolescência é esplêndida em toda a sua magnitude. Nesse período a gente faz tanta coisa boa... E também deixamos de fazer outras tantas.

Teve dias que, depois da escola matinal, com exaustivas aulas de português, matemática e história, eu ia pra casa do Felipe e do Carlos jogar videogame, porque eles tinham uma casa mais legal que a minha e jogar em três era mais divertido. Só tinha que ficar atento pra saber quando o Corsa Classic prata da dona Vera chegava pra eu escafeder-me por trás dos arbustos e pular o barranco da casa em direção à rua, afinal, ela não queria que os filhos trouxessem gente lá no período da tarde, sabe-se lá o porquê (acho que teve vezes que eles estavam de castigo, afinal eu não via razão para eles caçarem os controles do Playstation pelo quarto da mãe). Tenho impressão de que ela nunca me conheceu de verdade.


Bom, teve outros dias que eu fui aproveitar minha bicicleta nova que meu pai me deu. 18 marchas que eu nunca soube como funcionavam (como era possível ter 18 alternativas naqueles dois seletores pesadíssimos, que faziam “tlééééééc” no guidom?), mas aquele amarelo com azul cheio de adesivos clichês no quadro da bike eram muito legais. O freio barulhento, mas que eu achava muito moderno, só piorava em dias de chuva. Os respingos na camisa causados pela falta de para-lamas sempre me deixaram frustrado. Andei em tantos lugares com ela... de asfalto a barreiro. De lama a rua de calçamento.


Em alguns fins de semana a diversão ficava naquela rua de barro seco que eu morava. A gente ia jogar qualquer coisa que o pessoal mais velho organizava, mesmo que não nos deixassem participar. Taco era o joguinho mais divertido que tinha, porque botava todo mundo pra interagir. E todo mundo se tornava igual. Desde o William, provavelmente o garoto mais “bem-de-vida” da rua Mizael, passando pelo Vilson, filho da Rose, evangélica ferrenha que tinha um belo pé de goiabas lá atrás da casa de alvenaria sem pintura deles, o Reginaldo, que era irmão do Ronaldo, dois meninos bem pobres que já foram lá em casa e eu já fui na casa deles assistir TV e comer bolinho de chuva, o Gabriel e o Samuel, dois irmãos que foram os primeiros que eu conheci naquela rua quando me mudei pra lá, o Diego, que também era bem de vida e tinha uma calçada na frente de casa que a galera sempre sentava pra conversar, a Charlene, que morava numa casa com três árvores na frente e sem muro, onde o pessoal também brincava de pega-pega, e mais uma galera que sempre tava junto e que eu já esqueci o nome, infelizmente. Aquele jogo era a disputa que colocava todo mundo pra correr de chinelo ou de pé no barro atrás da bolinha que ia parar no mato, gritando “bolinha perdida!”, fazia o pessoal discutir se o taco estava fora da “ronda”, se foi “1 pra trás” ou se tinha batido no marcador de pontos, que geralmente eram garrafas de refri, mas também podiam ser tijolos ou latas de azeite. Quando os grandes se enjoavam de jogar, ou a mãe deles os chamavam pra dentro de casa, era a vez de nós, menores, nos divertimos ao mesmo estilo. Mas eu queria mesmo era ter meu próprio taco entalhado em madeira e minha bolinha pra jogar com o pessoal. Isso que eu nem cheguei a falar dos dias de verão que todo mundo tirava a camisa e, só de shorts de malha, estendiam uma rede de vôlei entre dois postes de luz de duas casas e fechavam a rua pra jogar três cortes ou qualquer coisa que desse pra fazer com aquela bola na rua. Dose era quando precisava erguer ou retirar a rede pro caminhão de lixo passar...


Fiz tanta coisa na adolescência que até esqueci que meu corpo estava em mudança. Meu cabelo deixou de ser liso e despertou suas leves “ondas” e voltinhas, que até hoje insistem em levantar, mesmo que eu não as queira. Meu rosto deixou de ter aquelas bochechas enormes e surgiu barba na minha cara. Assim comecei a gerenciar mais um afazer na minha vida: encarar o espelho com uma bisnaga de creme de barbear e uma Gillette. Minha voz engrossou, eu fiquei mais alto e mais desengonçado. E também mais cansado pras coisas...


Entretanto, apesar desse tempo todo ter ficado pra trás, eu continuo adolescente. Não de corpo, mas de mente, de espírito. Lá dentro eu ainda gosto de jogar taco, andar de bicicleta, jogar videogame na casa dos amigos, subir em árvore, sentar na calçada pra conversar e contar piada até altas horas da noite, tomar banho em piscina de plástico, gastar um real em bala, chorar quando eu tô triste com alguém, ligar pra ouvir a voz daquela pessoa que você não fala há muito tempo, mandar cartinha de amor, comprar presente baratinho, entre tantas outras coisas que a gente faz e deixa de fazer nesse período tão mágico da vida.


Certeza que eu vou ser adolescente pra sempre.

Originalmente de JAN/17.

 
 
 

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Última atualização: 08/JUL/2023

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